Ilma escreve: Interrogação


Não, você não me diz nada. Você detesta dizer, você se defende sereno do que sequer pode vir a acontecer. Você é um menino. Com uma faca na mão. Uma faca suja de sangue. Você é um menino abandonado por si mesmo. Quando te olho eu vejo o que os outros não vêem. Acho que é por isso que me dói tanto. Laços foram criados, nunca desatados.

E cá sigamos nós, amarrados, caindo e levantando, pelo simples fato de estarmos presos a nós mesmos. Difícil compreender isso, difícil dar de cara com a possibilidade, ínfima que seja, dessa identificação absurda, deste sentimento que não se nomeia, dessa cicatriz que o tempo desenhou. Encontro-te em meus pesadelos, nos meus medos mais profundos, nas minhas alegrias e nos meus sonhos. Por vezes me roubas sorrisos, por outras me presenteia com lágrimas. Eterno paradoxo que se desenha em meu cotidiano.

Escuto a tua voz me chamando, é real, é sonho, estou louca? A sua voz ecoa rouca sobre a escada da casa. Finca a tua marca em todos os cantos, em todos os lados, em todos os poros. Tua marca acesa como ferro em brasa não me deixa sossegada por um só segundo. A inquietude me toma, me comovo com o teu amor cego, tropeçando sôfrego sem conseguir se levantar. O teu olhar de tristeza me degela, me compele a estender-te a mão. Em vão...


Seria apenas a leve lembrança de um tempo que o próprio tempo apagou? Seria esperança, seria piedade, seria nostalgia, seria amor?

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